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Uma viagem subjetiva pela trajetória de Negu Gorriak

É uma manhã de sábado num ponto ainda não urbanizado da paróquia de Lians, em Oleiros. Acabo de lêr por enéssima vez um aborrecido tema de História de 3º de Bup. Ainda há um bocado de espaço, até a hora do jantar, para escutar um bocado de música. Momento ideal para desprecintar a pasta que contem esse vinilo que leva desde a quinta feira aguardando para ser estreado. O primeiro disco de uns tais Negu Gorriak. Uma banda que fussiona o rap com potentes guitarras inspiradas no punk, o hardcore e o thrash metal.

 

Ponho o disco sobre o prato e achego o braço da agulha, começa a virar e não decepciona. O raivoso e enérgico “ Esan Ozenki” abre fogo…destacam para mim a emotiva “Amodiozko kanta” e o muito rapeiro “Radio Rahim”. Estamos no ano 1990 e esta cena, se calhar um bocado idealizada ou não, tem um antecedente. Um amigo do liceu emprestara-me um par de messes antes um vídeo desses míticos de VHS (já nem se fabricam aparelhos que os leiam) com o concerto da banda guipuscoana às portas da prisão de Herrera de la Mancha. Namorado fiquei com a atitude acima do cenário. A minha viagem a travês (ou em paralelo com) da trajetória tem outros cenários: a Sala Nasa em Compostela, primeira vez que os vi em direto; o concerto na Sala Óxido de Vigo, pertencente à tourné “Ustelkeria”, organizado pelos jornais Egin e A Nosa Terra, acompanhados dos Diplomáticos de Monte Alto e que os bascos dedicaram aos daquela encarcerados Armando Ribadulha e Adolfo Naya e, pelo meio, miles de escutas na minha casa, em rádios alternativas, nalgum bar dos que eu incluia nas minhas rotas de fim de semana na Corunha (soavam com especial frequência no Parrús) em viagens, acampadas ou “botelhões” na clandestinidade da praia de Santa Cristina ou da Ria do Burgo.

 

Levou-me bastante tempo decidir quê focagem lhe podia dar a este artigo. Seria o próprio fazer um artigo histórico? Seria melhor dar-lhe uma orientação mais crítica? Não posso ser objetivo quando escrevo sobre os Negu Gorriak. Definitivamente abandonei a ideia de fazer uma recensão da biografia desta banda de rock mestiço (provavelmente uma das mais influintes do Planeta) e prefiro retroceder no tempo a aquele momento no que o rapaz de 17 anos que eu era lhe dá a primeira escuta a aquele LP que levava o mesmo nome que os seus autores.

 

Negu Gorriak, essa banda que cantando em euskera e desde posicionamentos políticos afins à esquerda abertzale, conseguiu ser louvada pela crítica da imprensa espanhola (não pouco mérito é esse) foi catalizadora de uma autêntica internacional do rock combativo, a travês da sua faceta de editores/produtores pela via da seção internacionalista do carimbo Esan Ozenki, Gora Herriak. Teceram fios que os uniam a Mano Negra e Zebda na França; aos Diplomáticos e Nación Reixa na Galiza; a Banda Bassotti na Itália; a Brams e Inadaptats na Catalunya; a Todos Tus Muertos na Argentina; a Garaje H em Cuba, etc. Foi uma outra maneira de entender o rock..enquanto as rock star system do mundo anglo-saxão faziam do Muro de Berlím o ícone a derrubar e o capital fazia o possível para que os pedaços da Europa socialista cairam com a música de fundo de Pink Floyd na Porta de Brandemburgo ou Metallica na Praça Vermelha de Moscova, estes outros referentes do rock faziam tournés apoiando aos zapatistas em México, ao Farabundo Martí no Salvador, ou as Mais da Praça de Maio na Argentina.

 

Negu Gorriak – Herrera de la Mancha (1990/12/29)

“Esan ozenki” 3:03

“Amodiozko kanta” 5:22

“Raggamuffin jaia” 8:43

“Gaberako aterbea” 12:20

“Oker dabiltza” 15:14

“Napartheid” 18:08

“Bertso-Hop” 20:42

“Hator hator” 25:57

 

Um não podia ser antifascista e anticapitalista sem ter o coração com Negu Gorriak. Com eles, igual que com todos esses companheiros de internacional, o rap, o ska, o funky, o punk e o metal abandonavam o nihilismo negador e destrutivo (tão funcional à perpetuação da ordem estabelecida, por muito que digam) e punham-se ao serviço de causas concretas, reais e transformadoras. A leitura revolucionária do legado de Otis Readding, Bob Marley, The Clash ou Jimi Hendrix estava nos acordes e versos de uma banda basca que percorreu meio globo levando a palavra de Fidel Castro, Ché Guevara, Lenine irmandada com a dos bertsolaris e as vozes de toda a tradição de luta do povo basco.

Respeito sempre para os Negu Gorriak. Regresso a 2022 e, pelo caminho, não posso deixar de lembrar a forte impronta que, desde Euskal Herria e em Euskera, esta banda deixou em outros projetos como Def Con Dos, Habeas Corpus, Narco, NdeNo, Riot Propaganda e seguramente muitos outros que nem conheço. Pode-se trascender desde uma língua minorizada e, desde que selogra pela primeira vez, jánada volta ser o mesmo.

Ramiro Vidal Alvarinho.

https://www.facebook.com/ramiro.vidalalvarinho

 

(Foto primeiro disco NEGU GORRIAK da man de https://www.discogs.com/

Foto traseira primeiro disco de NEGU GORRIAK da man de https://www.todocoleccion.net/)