Formulario de acceso protexido por Login Lockdown

Eu conhecí aquele Vigo, e quando deambulo hoje por Bouças, O Calvário, o Berbês, ainda parece que dalgum lugar, dalgum canto, vai surgir o som metálico daquelas guitarras rasgadas a toda velozidade. Que vai soar algum desses temas míticos dos Skacha. São da segunda grelhada do punk olívico e sonharam um dia ocupar o lugar nos cenários dos seus antecessores Desvirgheitors, Mentes Podres ou Os Raiados…vendo-os tocar centos de vezes naqueles anos de efervescência primária punk e hardcore, foram imaginando o seu próprio projeto até que um dia se viram chantados num improvissado local de ensaio montando os seus próprios temas. Estas coisas têm uma evolução tão natural como a vida mesma. De dez anos em dez anos mais ou menos dão-se as vagas geracionais de bandas, e nos primeiros noventa aparecem Skacha, Keltoi!, Ke Ostias Pasa ou Disturbio 77.

 

Skacha são uma condensação de reminiscências de punk da rua com o sabor atlântico e proletário desse mosaico humano informe e deslabaçado que é Vigo. Essa cidade cheia de feridas de especulação, indústria morta e massas precarizadas que de quando em vez ouveam a sua condição negada. U.K. Subs, Angelic Upstarts ou Sham 69 podiam ser de Teis, filhos de desertores do arado procedentes de alguma aldeia ourensã, por exemplo, trabalhadores da Citröen ou de alguma auxiliar de Barreras…não calhou que fosse assim e chegou aquela geração de músicos vigueses para arranjar esse desacerto histórico. Tocou que eles nasceram neste canto da Europa do Sul tão cheio de contradições, onde jovens rebeldes teimam em fazer música numa língua da que a sua própria geração deserta; tocou que havia que reinventar o que noutras latidões já estavam sentenciando a morte; e tocou não ir ao fácil mimetizando-se com movimentos análogos noutros territórios do estado e imprimir-lhe identidade galega ao que era muito mais fácil pensar em qualquer outro idioma idealizando qualquer outro lugar.

 

Não, os caminhos singelos não costumam produzir nada relevante. Se Skacha não cantassem em galego, pode que hoje não fossem lembrados além da sua cidade. E não por falta de qualidade, mas porque os vieiros de um movimento tão amplo e global como o punk estão mil milhões de vezes caminhados. Músicas como “England belongs to me”, “Solidarity”, “Anarchy in the UK” ou “Warhead” estão…quantas vezes versionadas? Alguém tinha que escrever letras como “Augardente”, “Sempre ceibes”, “The Guns of Bouzas” ou “Ben te foden”. Ser os epígonos “número n” de La Polla, Kortatu, Eskorbuto, RIP ou Cicatriz seria uma opção que se teria podido escolher e que já escolheram muitos outros antes e continuarão escolhendo outras bandas…mas alguém tinha que retratar os cenários e as vivências dessa juventude aqueijada de problemas sociais como a droga, o desemprego, a ascensão da violência fascista, a repressão policial…e fazê-lo pensando em galego. Se Skacha não fizessem o que fizeram e como o fizeram, não seriam Skacha e este país seria um bocado mais incompleto num contexto no que fazer e pensar qualquer arte em galego é um bloco mais no muro de uma difícil resistência.

 

Na minha mente vira de novo o disco e a velha canção punk volta soar. Acompanha a nossa viagem até a próxima cortina de néboa, sem sabermos qual vai ser a que nos faça desaparecer sem retorno. A minha geração deixou de ser jovem sem quase decatar-se e no disco mental leva de bagagem as suas lutas…as manifestações estudantís contra os planos de educação do felipismo, as mobilizações contra a guerra do Iraque, a luta anti-militarista…esse disco mental, que virará até a nossa morte física, tem música também graças a Skacha.

Ramiro Vidal Alvarinho.

https://www.facebook.com/ramiro.vidalalvarinho